Lágrima caindo
Coração acelerando
Dor, alegria
Desalento, raiva, espanto
Cada beco ou avenida
Cada pessoa passando
Cachorro cego latindo
Um feirante apregoando
Tudo é poesia
No nosso cotidiano
Meus livros fora de ordem
Minha roseira murchando
Meu reflexo no espelho
Cada sonho desbotando
O tique-taque do relógio
Dois velhos jogando tranca
O anjo torto que destranca
A última porta aberta
Tudo é poesia
Quando a alma está desperta
Um corpo que voa
Um corpo que ginga
Nossa gente, nossa cor
Nosso tempero e mandinga
Passo descalço apressado
Na quentura do asfalto
Os prédios e os homens frios
A solidão, a pinga
Pingado e pão com manteiga
No boteco da esquina
Cheiro de café
Cangote de mulher
Despedida, a calmaria
Que antecede o seu encontro
Com a rotina
Chuva
Luzes da cidade
Um povo que desdobra
A urbana verdade
De seu ser em meio ao caos
Flores
Mãos de quem faz acontecer
Eu e você
Tudo que se vê e ouve
Tudo que sentimos
Todas as lembranças
Os momentos mais bonitos
Os abraços das crianças
Tudo é poesia
Em nome da esperança
O canto do sabiá
O voo do gavião
O encardido no sofá
O homem na televisão
A velha banca de revista
As prateleiras do mercado
A sementinha de açaí
Nossos melhores orgasmos
Neném chorando
Mãe acudindo
Navio partindo
Amor chegando
Aquele cordãozinho perdido
Sua comida preferida
O clarear de uma nova vida
A benção da tua avó
O calor no teu pé
A pedrinha no teu sapato
O gato caçando rato
O rato tentando viver
No dia que ocê morrer
Tudo deixará saudade
Não espere para amar
E não ame pela metade
Tudo é poesia
Nas asas da liberdade